A Assembleia da República chumbou, esta terça-feira, a moção de confiança apresentada pelo Governo, provocando a sua demissão.
Desde pedidos de retirada da moção à suspensão dos trabalhos durante uma hora - passando pelo pedido para uma reunião de meia hora entre os grupos parlamentares do PS e do PSD - o debate foi uma verdadeira montanha russa, repleto de avanços, recuos e (muitos) à partes.
Ao fim de uma pausa entre as 18h40 e as 19h40, acabaram por votar contra a moção de confiança o PS, Chega, BE, PCP, Livre e deputada única do PAN, Inês Sousa Real. A favor estiveram o PSD, CDS-PP e a Iniciativa Liberal.
De acordo com a Constituição, a "não aprovação de uma moção de confiança" implica a "demissão do Governo".
O executivo de Luís Montenegro fica agora em gestão, limitado aos atos estritamente necessários ou inadiáveis à continuação da sua atividade.
À saída do hemiciclo, os líderes partidários reagiram à discussão da moção que ditou o fim da confiança do Parlamento no Governo da Aliança Democrática (AD) e, enquanto uns falaram em "vergonha", outros já apontaram ao futuro.
"Tentámos tudo, mas mesmo tudo o que estava ao alcance"
O primeiro-ministro acusou o PS de intransigência e defendeu que o Governo "tentou tudo até à última hora" para conciliar o pedido de comissão de inquérito dos socialistas e a continuação do executivo em funções.
Luís Montenegro explicou que propôs que o final de maio como prazo limite para as conclusões de uma comissão de inquérito, "quase 80 dias", e a retirada da moção de confiança, contra os 90 dias propostos pelo PS, mas com uma comissão ainda sem data para arrancar e cujo prazo poderia ser prolongado.
"O PS manteve-se intransigente na sua proposta de ter uma comissão de inquérito prolongada no tempo, com isso querendo que a degradação política e todo o impasse gerado à volta da contaminação do trabalho governativo pudesse ser o mais longo possível", acusou.
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, tinha sido o primeiro a falar à saída do debate, defendendo que o PSD foi até "ao último minuto" para evitar eleições em Portugal, mas "o PS não quis". O social-democrata disse mesmo que existiram "tentativas" da sua parte, "antes desta tarde", para evitar a rejeição da moção de confiança apresentada pelo Governo.
Hugo Soares mostrou-se ainda confiante numa nova vitória da AD nas próximas eleições.
"Atuação vergonhosa de alguém que não tem condições para governar o nosso país"
Em terceiro lugar, reagiu o líder da oposição. Pedro Nuno Santos dirigiu duras críticas a Luís Montenegro, considerando "indecoroso e inaceitável" que o Governo tenha tentado usar a moção de confiança como chantagem para condicionar a comissão de inquérito ao primeiro-ministro, recusando qualquer intransigência do seu partido.
O secretário-geral do PS, que falava à saída do plenário, após a votação da moção de confiança, lamentou, em declarações aos jornalistas, o que aconteceu no Parlamento.
Segundo o líder do PS, "o que estava em discussão era uma moção de confiança ao Governo e não uma comissão de inquérito". Pedro Nuno acusou o executivo de ter querido "usar a moção de confiança para condicionar a comissão parlamentar de inquérito".
"A atitude do PSD e do Governo no dia de hoje é grave. Eu digo mais: foi uma atuação vergonhosa de alguém que não tem condições, nem dimensão, nem estatuto para governar o nosso país", argumentou.
Também à Esquerda, Paulo Raimundo defendeu que o debate foi um "autêntico jogo do empurra". "Não precisamos de jogos de sombras, o que precisamos é de respostas para os problemas das pessoas", atirou.
O líder do PCP falou ainda de uma "poupança" de uma semana, referindo-se à moção de censura apresentada pelo PCP, chumbada há alguns dias.
Já o líder do Livre, Rui Tavares, considerou que o que se passou no hemiciclo foi "bem entendido por todos", ao contrário do que referiu várias vezes o PSD.
"Esta conversa do Governo de 'ninguém percebe como é que se chegou a eleições' tem de acabar e já. Percebo que é uma lengalenga muito bem montada, mas não vamos fazer das pessoas tontas. Todos percebemos como é que se chegou a eleições: o primeiro-ministro apresentou uma moção de confiança quando sabia que o Parlamento ia rejeitar essa moção de confiança. E sabia também porque condicionou previamente o Presidente da República porque, querendo ser ele o recandidato do PSD a primeiro-ministro, não se demitindo, só havia uma saída: eleições", explicou.
Rui Tavares recusou ainda que o Governo tenha feito de tudo para evitar eleições.
a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, disse que havia um conclusão que ficava neste debate, a mesma que o Bloco tinha antes de começara discussão. "O PM não pode receber avenças através de uma empresa que é sua enquanto é primeiro-ministro. E a empresa Spinumviva era do PM quer formalmente, quer substantivamente, porque é da sua esfera pessoal. Podemos concluir que o PM não esteve em exclusividade e que violou dever legal de exclusividade", afirmou.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, referiu que a apresentação da moção de confiança foi uma tática: "Primeiro-ministro tenta eleições como saída política, sobrevivência política. Mais episódio menos episódio", atirou, defendendo que o país vai a eleições por "responsabilidade e escolha" de Luís Montenegro.
A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, considerou "lamentável que o primeiro-ministro" tivesse "arrastado" o país para eleições ao invés de ser um governante "conciliador e se colocasse ao escrutínio" e defendeu que os portugueses "estão saturados de eleições".
Já à Direita, o presidente do Chega afirmou que a proposta do Governo de redução do prazo da comissão de inquérito ao caso da empresa do primeiro-ministro foi uma forma de o branquear e de mostrar que "tem alguma coisa a esconder".
André Ventura classificou o debate da moção de confiança como "um dos episódios mais vergonhosos na nossa democracia" que mostrou "um primeiro-ministro desesperado, desesperadamente a tentar agarrar-se ao barco e à única boia de salvação que podia ter e chegar ao ponto de em público - e corredores - procurar evitar, condicionar ou limitar uma CPI, como moeda de troca para salvar o Governo".
A Iniciativa Liberal, por sua vez, divulgou um comunicado onde rejeita integrar qualquer coligação pré-eleitoral e anuncia que vai apresentar-se sozinha às eleições legislativas, criticando "o comportamento de todos os agentes políticos que criaram" a atual crise política.
Não obstante, mais tarde, em entrevista à SIC Notícias, Rui Rocha mostrou-se disponível para se aliar ao PSD e a outros partidos à Direita, numa espécie de geringonça, para governar o país depois das eleições, mesmo que o PS vença.
"Creio que não há outra solução para o país. Não podemos continuar com ciclos curtos de governação e estaremos disponíveis para negociar. A Esquerda não deve governar pelas más decisões que tomou na última década, não faz nenhum sentido que a Esquerda possa governar", revelou.
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