A decisão surge depois de o Tribunal de Viseu ter reconhecido, num dos casos, um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre junho de 2021 e dezembro de 2023 (altura em que o estafeta deixou aquela atividade), e, noutro, um contrato de trabalho a partir de outubro de 2023.
Em dois acórdãos publicados em dezembro de 2024 e consultados pela agência Lusa, o TRC confirma as decisões do Tribunal de Viseu, que surgiram após ações de inspeção por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), junto a um restaurante de comida rápida.
A Glovo alegava que explorava uma aplicação e não uma "plataforma de organização de trabalho", considerando que os estafetas não prestavam serviços apenas à empresa, não dependiam dos rendimentos por aqueles serviços, não existia poder de direção e não havia controlo da geolocalização dos trabalhadores.
Nos acórdãos consultados pela agência Lusa, os juízes da Relação de Coimbra referiram que, para exercer a sua atividade, a Glovo recorre a estafetas, que não dispõem de uma organização empresarial própria, têm de aceitar os termos e condições da sua plataforma, com a empresa a ditar a remuneração por cada serviço, sem qualquer tipo de negociação prévia com os trabalhadores.
É também a Glovo que negoceia os preços com os restaurantes e com o consumidor final, que controla e supervisiona o trabalho dos estafetas em tempo real, podendo gravar chamadas feitas pelos trabalhadores em serviço.
No acórdão, os juízes da Relação debruçaram-se sobre se haveria ou não uma relação de trabalho subordinado entre o estafeta e a Glovo.
Apesar de a empresa alegar que o estafeta tem liberdade para escolher onde, quando e por quanto tempo quer estar ligado à aplicação, a Relação considerou não se estar perante um caso de contrato de prestação de serviços, mas sim de trabalho subordinado, notando que a própria forma de trabalhar tem sofrido "profundas alterações" nos últimos anos.
De acordo com o acórdão, a relação entre a Glovo e o estafeta confirma os vários pontos associados ao reconhecimento de um contrato de trabalho, de acordo com uma nova alínea do Código de Trabalho, introduzida em 2023, que enquadra o trabalho no âmbito de plataformas digitais.
Nesse sentido, a Relação diz que há um horário de funcionamento da aplicação, é a empresa que define limites mínimos e máximos de remuneração, exerce poder de direção e determina regras específicas, controla a prestação da atividade do estafeta, restringe a autonomia do estafeta na organização do seu trabalho e pode exercer o poder disciplinar sobre o trabalhador.
"Impõe-se concluir que se encontra constituída a presunção da existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade e a ré [Glovo]", afirmou a Relação, julgando improcedentes os recursos apresentados pela empresa e mantendo a sentença de Viseu, que obrigava a multinacional a reconhecer o contrato de trabalho com aqueles dois estafetas.
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