"Por disciplina partidária, votei contra a minha própria posição", afirmou Vital Moreira, que deixou o partido em 1990 e chegou depois a ser deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu pelo PS, num debate com o também constitucionalista Jorge Miranda sob o tema "Assembleia Constituinte - 50 anos depois" moderado pelo ex-líder do CDS-PP Manuel Monteiro no número da revista do Instituto Amaro da Costa, que será lançada no dia 11 numa sessão em que deverá estar o Presidente da República.
Assumindo que só tem falado neste caso em "em grupos muitíssimo restritos", Vital Moreira lembrou o processo da revisão da lei fundamental de 1982, quando era vice-presidente do Grupo Parlamentar do PCP, com Veiga de Oliveira, e ambos pretendiam que o partido não votasse contra o texto que acabaria por extinguir o Conselho da Revolução, flexibilizar o sistema económico e suavizar a carga ideológica que vinha da primeira versão da lei, aprovada em 1976.
"Nós entendemos que o Pacto MFA-partidos tinha que ser abandonado, por caducidade política, e a Constituição tinha que ser revista de acordo com os parâmetros de uma democracia constitucional normal", disse o ex-vice da bancada do PCP, afirmando que estava "de acordo, em geral, com as soluções alternativas que tinham sido encontradas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional".
Vital Moreira indicou que no grupo parlamentar do partido encontrou "um considerável apoio a essa opção", mas "a direção do partido assim não entendeu, e o PCP votou contra", obrigando-o a contrariar a sua própria posição.
"No dia seguinte pedi a renúncia ao mandato de deputado e, algum tempo depois, iniciei o meu processo de dissidência do partido, junto com Veiga de Oliveira e outros", assume o constitucionalista Vital Moreira, acrescentando: "Era altura de assumirmos a plenitude da democracia constitucional".
Além do debate Vital Moreira/Jorge Miranda, a revista do IDL inclui artigos de Marcelo Rebelo de Sousa e dos ex-deputados constituintes Ângelo Correia, António Campos, António Reis, Arons de Carvalho, Basílio Horta, Carlos Brito, Carlos Lage, Francisco Pinto Balsemão, José Manuel Maia, Manuel Costa Andrade, Maria José Sampaio e Mário Pinto.
No debate, os dois deputados constituintes concordam que o Pacto MFA-Partidos "teve muito menos importância do que poderia pensar-se", na expressão de Jorge Miranda, muitas vezes apelidado como "pai da Constituição".
Vital Moreira mostrou-se de acordo, lembrando que "o Pacto não vinculava a Assembleia Constituinte nem os deputados", apenas os respetivos partidos. "É claro que de boa-fé nós, os deputados, tínhamos que dar execução aos compromissos políticos dos nossos partidos, mas havia uma margem de interpretação que não deixámos de explorar", sublinhou.
Jorge Miranda interveio de seguida para recordar que "o Pacto previa uma Comissão do Movimento das Forças Armadas que iria observar os trabalhos da Assembleia, que nunca ninguém viu", ao que Vital Moreira respondeu: "Nunca ninguém viu nem nunca apareceu. Aliás, o Pacto tinha uma cláusula de transitoriedade, que estabelecia que ao fim de quatro ou cinco anos, havia lugar para uma revisão constitucional sem limites, portanto, em plena liberdade, como, aliás, veio a acontecer".
Durante o debate, Vital Moreira disse não ter qualquer dúvida de que "a adesão de Portugal à União Europeia foi um dos garantes da longevidade da nossa democracia constitucional, em matéria de estabilidade económica e social, comunhão de um ideal europeu de democracia, e o abandono do radicalismo da Constituição económica de 1976".
"O capítulo da organização económica foi aquele que mais me surpreendeu por ser mais doutrinário, mais radical, por ter um projeto de transformação estrutural, coisa que nenhum outro capítulo tinha. Era, um projeto de transição para o socialismo, mais ou menos, autogestionário, contribuição do PS, ou mais ou menos coletivista, era a contribuição do PCP... A verdade é esta, o meu receio verificou-se", comentou o ex-deputado do PCP, com Jorge Miranda a interromper para dizer que "esse capítulo esvaiu-se" e Vital a insistir que "foi essencialmente por causa da adesão à UE".
No debate, Jorge Miranda e Vital Moreira apenas discordaram abertamente da caracterização do sistema de governo após a revisão de 1982, que o primeiro classifica de semipresidencialista e o segundo de "sistema parlamentar atípico". Em causa está o facto de o Governo ter deixado de depender politicamente do Presidente da República, que deixou de o poder demitir livremente, passando a ser apenas responsável perante o parlamento.
"Lembremos que o segundo governo de Mário Soares cai por exoneração direta do Presidente da República. Ora, a meu ver, isso acaba com a Revisão Constitucional de 1982. E não é uma pequena mudança, porque reformulou efetivamente o sistema de governo, pelo que deixei de falar num sistema semipresidencialista e passei a falar num sistema parlamentar atípico, dado o 'poder moderador' do PR", comentou Vital, o que Jorge Miranda replicou: "não estou de acordo...! Há muitas formas de semipresidencialismo e muitas formas de parlamentarismo. As mudanças constantes da Revisão Constitucional de 1982 não afetaram o essencial do sistema de governo, do semipresidencialismo".
No debate, Jorge Miranda notou que a lei fundamental de 1976 "já é a segunda Constituição mais duradoura de Portugal. A que durou mais tempo foi a Carta Constitucional de 1851 até 1910. A Constituição de 1933 só durou 41 anos".
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