"O oceano está agora 30% mais ácido, principalmente por causa da nossa obsessão em queimar combustíveis fósseis e da nossa incapacidade de superar o 'lobby' empresarial mais poderoso da história do mundo, o 'lobby' dos combustíveis fósseis", disse Al Gore na cerimónia de abertura da iniciativa SOS Ocean, que termina hoje em Paris.
Num discurso perante dezenas de personalidades ligadas ao oceano, entre cientistas, ambientalistas e decisores políticos, incluindo o presidente do Conselho Europeu, António Costa, e o comissário europeu para as pescas e o oceano, Costas Kadis, Al Gore alertou para os vários problemas que afetam os oceanos.
Lembrou que, segundo a Organização Meteorológica Mundial, o ciclo hidrológico está desequilibrado, com 'rios atmosféricos' que chegam com tanta mais água como 90 Danúbios, o que resulta em chuvas torrenciais como a que aconteceu no ano passado em Valência, "a que os cientistas chamam bombas de chuva".
O degelo na Gronelândia e na Antártida irá tornar-se em breve o principal fator ao aumento dos níveis do mar, que até agora foram motivados sobretudo pela expansão termal dos oceanos, disse, alertando que todos os glaciares da Europa deverão desaparecer neste século se não se agir depressa.
A combinação do aumento do nível do mar e de tempestades cada vez mais fortes está a provocar vastos danos nas zonas costeiras de todos o mundo, disse também, recordando um artigo da revista The Economist que estimava em 25 biliões de dólares as perdas em propriedades costeiras nos próximos 25 anos.
Referiu outros problemas que afetam os oceanos, como a proliferação de algas tóxicas, a acidificação do oceano e a potencial perda de recifes de corais em todo o mundo -- a Grande Barreira de corais perdeu metade da sua cobertura em 30 anos.
"A sobrepesca é uma catástrofe", afirmou ainda, alertando que a maioria é provocada pela frota pesqueira chinesa e referindo que um navio moderno de pesca de arrasto consegue apanhar mais peixe num dia do que a frota de uma aldeia pesqueira num ano inteiro.
Al Gore alertou também para a crise dos plásticos no oceano, lembrando que as partículas de plástico ingeridas por algumas aves marinhas estão já a produzir sintomas semelhantes à doença de Alzheimer.
"O facto de já terem sido detetadas nos nossos cérebros deve ser motivo de grande preocupação. Aumentam o risco de enfarte, AVC e morte e agora já ultrapassam a barreira sangue-cérebro e a sua quantidade duplicou em duas décadas".
O ex-vice-presidente dos EUA sublinhou que 75% de toda a produção petroquímica se destina a produzir mais plásticos e que a petroquímica é o terceiro maior mercado dos combustíveis fósseis.
Como estão a perder a batalha da geração elétrica e do transporte, afirmou, as empresas petrolíferas estão agora a dizer aos mercados financeiros que vão compensar com a petroquímica.
A OCDE projeta aliás que a produção de plástico triplique em 35 anos. "Isto é insano", alertou.
"A Agência Internacional de Energia diz que temos tudo o que precisamos com modelos comprovados para cortar as emissões em 65% nesta década e temos uma linha clara de visão sobre como chegar aos restantes 35%", contou.
No entanto, "o lobby dos combustíveis fósseis é muito melhor a capturar decisores e políticos do que a capturar emissões.
"É uma luta. Há uma hegemonia global a controlar as organizações dos que tomam decisões em demasiados países no mundo. Temos de ser claros: se nos preocupamos com os oceanos, temos de atacar a crise dos combustíveis fósseis. Os jovens exigem-no", alertou Al Gore.
Apelando aos presentes que "digam a verdade como se o mundo dependesse disso", o antigo dirigente norte-americano deixou um último alerta: "Se alguma vez duvidarem que nós, como seres humanos, podemos ter vontade política suficiente para salvar os oceanos, o clima e este planeta lindo, lembrem-se que a vontade política é também um recurso renovável".
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