Gronelândia é "apenas ponta do iceberg" das ameaças da Rússia e da China

A especialista em relações internacionais Sandra Balão alertou em entrevista à Lusa de que a Gronelândia é "apenas a ponta do iceberg" das ameaças da Rússia e da China no Ártico, num contexto de maiores tensões na região.

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© Sean Gallup/Getty Image

Lusa
28/03/2025 13:13 ‧ há 3 dias por Lusa

Mundo

Sandra Balão

"[A Gronelândia] sinaliza apenas a ponta do iceberg que é visível. O que está em jogo neste momento é muitíssimo mais do que a mera aparente loucura do Presidente [Donald] Trump em sinalizar que os Estados Unidos não abdicarão de controlar a Gronelândia, porque não o fazer significa que serão a Rússia e a China a fazê-lo", afirmou a professora do Instituto de Ciência Sociais e Políticas (ISCSP).

 

Para a co-chair da organização científica e tecnológica da NATO, a detenção do controlo da Gronelândia pelos dois gigantes do continente asiático, "significa que todos os restantes Estados que estão alinhados com a Rússia e com a China terão acesso à região que faz parte do nosso quadro de segurança e defesa, que vai muito além do militar".

"Tem a ver com a defesa das nossas próprias democracias, que assenta num quadro de valores de referência que os povos europeus e os povos americanos - os Estados Unidos, mas também o Canadá - não estão dispostos a abdicar. Porque isso significaria sermos governados por totalitarismos que controlariam a nossa vida pública e a nossa vida privada", afirmou a especialista.

Para Sandra Balão, o mundo retornou à divisão em dois blocos bipolares, por um lado composto por países como a China, o Irão, a Coreia do Norte e a Rússia, e, por outro lado, o mundo ocidental.

"Neste momento temos um conflito que opõe democracias e autocracias. E não me parece que isto esteja próximo de ser resolvido. Estamos a assistir a uma nova arrumação entre dois grandes blocos, que se opõem, designadamente, em matéria de quadro de valores e de modelo de sociedade. E isso, é um conflito existencial", afirmou a investigadora.

A professora do ISCSP salientou ainda que se tem vindo assistir a uma situação de "risco crescente de conflito militar" na região do Ártico, exacerbado pelas capacidades significativas bélicas russas nesta região e pelo aumento do investimento em matéria de defesa na zona, "impulsionado nos anos 2000, fundamentalmente por parte da Rússia", que foi, em seguida, "muito rapidamente acompanhado pela grande maioria dos restantes Estados do Ártico".

"Não nos podemos esquecer que a Rússia controla cerca de metade do Ártico e que tem poderes militares muito significativos e substantivos na região. A frota de submarinos russos tem a sua base naval na Península de Kola, no Ártico, encostada ao bastião da comunidade transatlântica. E é efetivamente um ponto de muito grande tensão na região", adiantou.

Acresce ainda que, neste momento, todos os Estados Árticos, à exceção da Rússia, são membros da Aliança Atlântica e que, com a entrada na aliança, primeiro da Finlândia em 2023 e depois da Suécia no ano seguinte, "o nível de tensão entre a Federação Russa e a NATO subiu de tom".

A especialista em relações internacionais alertou também para a possibilidade de o mundo poder vir a assistir a um alastramento de um conflito despoletado na região do Báltico, "uma panela de pressão" composta por países-membros da NATO, à exceção da região de Kaliningrado, para quem "quer a região do Ártico, quer a região do Báltico, são extraordinariamente importantes", no que toca aos interesses de políticas externa, nacional, em matéria de segurança e ainda ao nível de defesa.

"Se a Federação Russa cometer a loucura de atacar um Estado Báltico, mesmo que os Estados Unidos afirmem que não há condições para invocar o artigo 5º, toda a União Europeia irá acompanhar esse Estado que possa vir a ser objeto de uma ação dessas por parte da Rússia. E nesse caso, estamos a falar de Estados como a Suécia, como a Finlândia, como a Noruega e como a Dinamarca, que são Estados Árticos, e portanto será inevitável que a guerra se estenda à região do Ártico", frisou Sandra Balão.

O artigo 5.º do tratado da Aliança Atlântica de 1949 estabelece que um ataque contra um dos países membros é considerado um ataque a toda a NATO e pode resultar numa resposta individual ou coletiva no exercício do direito de legítima defesa.

"Neste momento, e em face do atual 'status quo', mas fundamentalmente em face da evolução desse 'status quo' e da própria situação a que vamos assistindo, designadamente fora de diálogo diplomático tradicionais, que normalmente serviam precisamente para dirimir essas diferenças e esses conflitos, designadamente na região, o Conselho do Ártico e internacionalmente a própria Organização das Nações Unidas, eu penso que neste momento temos que estar preparados para efetivamente assistirmos a um conflito militar na região do Ártico", afirmou a especialista.

"Se não estamos já na terceira guerra mundial, estamos muito próximos. Do ponto de vista realista, penso que há um futuro muito possível de tudo isto se traduzir numa guerra, que será uma guerra total" alertou Sandra Balão.

No entanto, a investigadora salientou que se poderia vir a assistir a uma "redução da escalada" das tensões caso se chegue a um acordo de cessar-fogo não apenas na região do Ártico, mas também na guerra na Ucrânia, desencadeada pela invasão russa em fevereiro de 2022, dois conflitos que se encontram "diretamente relacionados".

"Precisamente por estarem diretamente relacionados, todos os atores que estão articulados, uns estão envolvidos diretamente, outros envolvidos indiretamente, outros que querem ser mediadores, outros que acham que outros deviam ser mediadores, há cada vez menos 'buffer zones', e o potencial para, por um lado alastrar e por outro lado escalar, tem vindo a aumentar e não a diminuir", reiterou.

Leia Também: Gronelândia? "Pouca habilidade diplomática na preparação da visita"

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