Os agentes de execução poderiam cobrar multas de portagens, taxas e até mesmo impostos em fase de execução fiscal, já que a bastonária da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), Anabela Veloso, considera que estes profissionais conseguem fazê-lo mais rápido do que a Autoridade Tributária (AT) justificando com os recursos informáticos e a "vasta experiência" que têm ao dispor.
Além disso, Anabela Veloso salienta que os solicitadores têm uma "intervenção reconhecida em muitas áreas estratégicas da sociedade e na resolução de problemas facilmente reconhecidos pelos cidadãos".
Numa conversa com o Notícias ao Minuto, a bastonária da OSAE, que tomou posse recentemente, explica que estas são duas profissões que trabalham com a ideia de que "só vale o que está em vigor", reconhecendo que as eleições legislativas antecipadas podem resultar num "natural abrandamento" de projetos de longo prazo.
Anabela Veloso fala ainda do sucesso da plataforma e-Leilões, do aconselhamento jurídico gratuito que a OSAE disponibiliza, sem esquecer o alerta que faz para o risco que corre um comprador quando o agente imobiliário faz o trabalho de um solicitador.
A minha eleição como a primeira mulher Bastonária é tomada como um marco, mas o verdadeiro marco acontecerá quando esta conquista deixar de ser notícia
Qual é a sensação de ser a primeira mulher a bastonária da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução? Como a descreve?
É um sentimento de enorme orgulho, mas também de grande responsabilidade. Não pelo facto de ser mulher, mas pelo exercício do cargo em si. Ser mulher é apenas uma característica. A minha eleição como a primeira mulher Bastonária é tomada como um marco, mas o verdadeiro marco acontecerá quando esta conquista deixar de ser notícia. Sinto, sim, o peso da confiança depositada pelos Solicitadores e pelos Agentes de Execução. E é neles que centro o meu trabalho. Para que, juntos, construamos uma Ordem mais forte, mais unida e mais capaz de responder às necessidades de todos.
Qual é a principal missão à frente da Ordem?
A principal missão será sempre lutar por uma cada vez maior valorização dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Sei que os desafios são muitos, mas é na sua superação que podem residir oportunidades para os profissionais que esta Ordem representa. Refiro-me ao cadastro predial, à regularização de migrantes, aos processos administrativos e fiscais, ao apoio judiciário… Entre tantos outros exemplos. Estamos prontos para enfrentar estes desafios e para os transformar em oportunidades de fazermos a diferença no desenvolvimento do país, na defesa das pessoas e, consequentemente, no crescimento e reconhecimento das profissões.
Hoje, temos uma intervenção reconhecida em muitas áreas estratégicas da sociedade e na resolução de problemas facilmente reconhecidos pelos cidadãos
A OSAE assinala o seu centenário em 2027. O que está a ser preparado para comemorar este marco?
O centenário desta casa será um marco muito especial. Prevemos que as comemorações não se foquem apenas num dia, tendo lugar ao longo de todo o ano e por todo o território. Sendo a proximidade e a inovação elementos basilares da imagem de marca da instituição e das profissões representadas, não poderia ser de outra forma. Assim, com a devida antecedência, será divulgado o calendário completo das comemorações.
Como vê o trabalho que tem vindo a ser feito e quais são os principais obstáculos para os próximos tempos?
As últimas duas décadas revolucionaram a Ordem, antes Câmara dos Solicitadores, e, além da reforma da Ação Executiva, também muito aconteceu em prol da afirmação e valorização da figura do Solicitador. Ainda há trabalho a fazer, designadamente na revisão dos valores das alçadas, mas, hoje, temos uma intervenção reconhecida em muitas áreas estratégicas da sociedade e na resolução de problemas facilmente reconhecidos pelos cidadãos. Isso traz, obviamente, mais visibilidade e mais responsabilidade.
E, olhando só para o período desde que assumi o cargo de bastonária, foram já muitos os contactos estabelecidos e reuniões tidas com este foco: mais competências, mais intervenção, melhores ferramentas, mais interoperabilidade (entre plataformas, mas também entre instituições e profissionais) e, como sempre, sermos parte da solução para os desafios sentidos pelas pessoas e pelo país. Foi o que aconteceu e motivou, por exemplo, a celebração do protocolo com a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo].
A nossa profissão implica que saibamos que só vale o que está em vigor. É com isso que trabalhamos e não com o que deixou de ser ou com o que poderia ter sido [...] eleições legislativas marcadas implica um natural abrandamento no que sejam projetos a longo prazo
Quanto aos desafios, além dos mais comuns e que passam, sem dúvida, pela construção de acordos sempre que algo implica a intervenção de mais do que uma entidade, o facto de termos, novamente, eleições legislativas marcadas implica um natural abrandamento no que sejam projetos a longo prazo. E, aqui, não posso deixar de referir a última revisão dos Estatutos das Ordens Profissionais, que trouxe, irrefutavelmente, obstáculos, quer pela profunda adaptação que tivemos de garantir para dar resposta ao imposto, quer pelo que implica para quem abraçou estas profissões.
A crise política é um fator de instabilidade para o setor?
A nossa profissão implica que saibamos que só vale o que está em vigor. É com isso que trabalhamos e não com o que deixou de ser ou com o que poderia ter sido. Estar na direção de uma Ordem Profissional é, obviamente, diferente, mas acaba por nos obrigar a pensar e a agir da mesma forma. Partimos do que temos, conscientes dos desafios e das oportunidades.
Neste caso, temos novamente um Governo em gestão, uma Assembleia da República dissolvida e a certeza de que alguns projetos não poderão avançar no imediato. No entanto, além de continuarmos a trabalhar em prol do que for possível avançar num contexto de gestão, tudo faremos para que seja possível retomar todos os processos interrompidos por esta circunstância. E, sim, falamos de matérias específicas ligadas aos profissionais que representamos e às nossas áreas de intervenção, mas também de questões transversais e que abarcam todas as Ordens, designadamente após o último processo de revisão dos estatutos, o qual, numa opinião partilhada, deverá ser revisitado para que se melhorem e corrijam diversos aspetos.
Na visão da OSAE, nomeadamente no que respeita aos atos próprios, tem de ser encontrado um equilíbrio que, valorizando profissionais sujeitos a fortes exigências de cariz ético, deontológico e formativo, bem como a uma fiscalização muito apertada, proteja o cidadão no momento em que precisa de aceder a serviços de natureza jurídica.
Como se explica às pessoas o que fazem os solicitadores? E os agentes de execução?
O Solicitador é aquele profissional que, pela sua natureza próxima e focada na resolução e na simplificação, assume um papel muito evidente no aconselhamento jurídico, na interação com a administração pública, na área dos registos e do notariado… Podendo a sua presença ser decisiva em diversos momentos da vida de qualquer pessoa: processos de compra a venda, arrendamento, gestão de condomínio, heranças e partilhas, doações, cadastro, casamento e divórcio, contratos de trabalho, direitos do consumidor, licenças e outros direitos/deveres associados à parentalidade… Do nascimento à morte, o Solicitador pode, com o seu conhecimento e experiência, apoiar o cidadão na resolução das mais diversas questões e que, muitas vezes, trazem uma carga burocrática muito elevada.
Quanto ao Agente de Execução, estamos perante um ator decisivo no processo executivo e na recuperação de montantes em dívida. Há um antes e um depois da reforma de 2003, evidenciado na pendência processual, a qual registou uma redução profunda, surgindo Portugal, no contexto internacional, como um exemplo de sucesso. Temos um sistema informático que, ligado a dezenas de entidades, permite uma tramitação rápida e eficaz – penhoram-se saldos bancários com este sistema, por exemplo -, mas temos também pessoas preparadas para, representando, única e exclusivamente, a decisão judicial, conseguirem gerir situações que, muitas vezes, extravasam a nossa capacidade de imaginação… Situações muito duras, muito difíceis, em que as pessoas precisam que alguém as ajude a começar a construir uma solução. Muitas vezes, o agente de execução é essa pessoa.
Disse numa entrevista recente que há profissionais que fazem o trabalho dos solicitadores sem terem qualificações. Isto é uma ameaça para o setor?
Não o encaro como uma ameaça para o setor. Encaro, sim, como uma ameaça para a sociedade em geral. Os nossos profissionais têm formação própria, nomeadamente em áreas como a dos registos e do notariado, estão sujeitos a exigências muito elevadas nos campos da ética, da deontologia e da formação contínua, têm seguro de responsabilidade civil, estão vinculados ao sigilo. Há uma série de questões que a OSAE acautela e que salvaguardam o cidadão quando recorre aos serviços dos profissionais que representamos. O mesmo não acontece com profissionais sem vínculo a uma Ordem, ainda que sejam juristas.
A retificação acaba por dar lugar a um processo duplamente moroso e dispendioso. Recorrendo a um Solicitador, o cidadão está salvaguardado
Que risco corre um comprador quando o agente imobiliário faz o trabalho de um solicitador?
Sabemos que, muitas vezes, os agentes imobiliários prestam assessoria jurídica completa: desde a retificação de áreas à regularização do património. E, em virtude de não serem profissionais qualificados nessas matérias, ocorrem erros. Ora, a retificação acaba por dar lugar a um processo duplamente moroso e dispendioso. Recorrendo a um Solicitador, o cidadão está salvaguardado. E temos também a questão dos honorários: se o Solicitador cobrar um valor com o qual o cidadão não concorda, pode pedir à OSAE que se pronuncie.
Nós conseguimos fazer penhoras que, através da execução fiscal, não se estão a efetivar. E temos acesso a plataformas que nos permitem garantir um leque mais abrangente de resposta
Na mesma entrevista, referiu também que tenciona ver os agentes de execução a cobrar multas de portagens, taxas e até impostos em fase de execução fiscal. Considera que os profissionais estão preparados para isto? Porquê?
Estão preparados e demonstram-no todos os dias. Nós conseguimos fazer penhoras que, através da execução fiscal, não se estão a efetivar. E temos acesso a plataformas que nos permitem garantir um leque mais abrangente de resposta. Acredito que, se apostarmos em mais cooperação e nas potencialidades de cada interveniente, alcançaremos mais e melhores resultados.
Diz que conseguem penhorar mais rapidamente que a Autoridade Tributária. Porquê?
O Agente de Execução, responsável por cumprir uma decisão judicial e sem representar nenhuma das partes envolvidas, pode gerir, de forma mais ágil, o processo. Isto fica a dever-se não só às ferramentas informáticas, mas também à vasta experiência acumulada ao longo de duas décadas. Não me canso de dizer que Portugal é reconhecido internacionalmente, não sendo raras as vezes em que acolhemos representantes de outros países para apresentar e dar a conhecer as soluções que temos no âmbito da Ação Executiva.
A OSAE disponibiliza informação jurídica gratuita. Como funciona? Quem pode usufruir?
O projeto Informação Jurídica Gratuita procura proporcionar, aos cidadãos mais carenciados, expostos e fragilizados, o aconselhamento jurídico por um Solicitador, nas mais diversas áreas do Direito. Mediante a análise prévia de cada pedido, podem beneficiar deste serviço as pessoas singulares cujo agregado familiar tenha um rendimento mensal per capita inferior ao salário mínimo mensal.
O processo é muito simples: os interessados devem proceder à sua inscrição através do preenchimento de um formulário disponível em www.osae.pt ou junto dos Conselhos Regionais de Lisboa, Porto e Coimbra da OSAE (presencialmente ou via telefónica) e aguardar o contacto por parte de um Solicitador. Também nos chegam vários pedidos em virtude dos protocolos celebrados com a Associação Nacional de Freguesias e com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
Posso adiantar que estão previstos, para breve, novos protocolos, com a vista alargar o âmbito deste projeto que tanto nos orgulha e que tem tido resultados tão positivos. Falamos da garantia de acesso a informação prestada por profissionais habilitados, contribuindo, de forma indireta, para o combate a fenómenos como a procuradoria ilícita.
Têm também uma plataforma de autorização da saída de menores de território nacional. Que importância tem esta ferramenta numa altura em que nos aproximamos do período das viagens de finalistas?
Falamos de uma ferramenta que é um contributo claro para a simplificação de um procedimento essencial. Graças a esta ferramenta, disponível em https://app.osae.eu/certifica, o interessado terá apenas de preencher um formulário online para gerar um documento que, depois de validado por um Solicitador, deverá ser apresentado às autoridades.
De modo a garantir que é facilmente compreendido pelas autoridades nacionais e estrangeiras, o modelo é multilingue e tem ainda a mais-valia de poder incluir um conjunto de informações relevantes para o caso de ocorrer algum incidente durante a viagem: contactos de familiares na origem e destino, contactos de serviços consulares e ainda a possibilidade de indicar outras circunstâncias que devem ser observadas pelo e com o menor, tais como doenças crónicas, alergias, limitações alimentares, entre outras.
O documento original é entregue em papel, com os necessários reconhecimento de assinatura(s) e selo de autenticação, mas fica também disponível para consulta/verificação através de QR Code ou na página eletrónica desta plataforma.
Assim sendo, estamos empenhados em fazer chegar, a todas as organizações, instituições e associações (estabelecimentos de ensino, associações de estudantes, associações desportivas e culturais), informação sobre esta plataforma, pois sentimos que pode ser muito útil em momentos que, naturalmente, fazem parte do cumprimento da sua missão. E as viagens de finalistas são um exemplo muito claro de um desses momentos, mas também os torneios, as visitas de estudo e outros que facilmente nos ocorrerão.
Em oito anos (2016-2024), foram vendidos ativos penhorados no valor de €7,6 mil milhões, 97% dos quais referentes a património imobiliário
Considera que o e-Leilões é uma plataforma de sucesso? Quais são os bens penhorados que vão parar à plataforma em maior número?
Sem dúvida. A plataforma é confiável, simples, transparente e os números refletem tudo isto e o seu papel no funcionamento da Justiça e, também, da Economia. Entre 2016 e 2024, o e-Leilões garantiu a realização de 92.536 leilões, uma média de 10 mil por ano. Imóveis (64%), direitos, como heranças e quotas de sociedades (14%), veículos e mobiliário (7%) foram os ativos mais licitados. Em oito anos (2016-2024), foram vendidos ativos penhorados no valor de €7,6 mil milhões, 97% dos quais referentes a património imobiliário.
São ótimos números, que mostram que a plataforma é um instrumento de defesa dos direitos e interesses de exequentes e executados. Isto porque, muitas vezes, o bem é vendido por um valor acima da dívida. O objetivo passa, por isso, por, em permanente diálogo com o Ministério da Justiça, trabalhar para reforçar a aposta nesta plataforma, aumentando a sua abrangência. Recorde-se que esta também já é usada por administradores judiciais e pelo Gabinete de Administração de Bens do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.
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