Esta é uma convicção da escritora britânica Anne Sebba, autora do livro 'A Orquestra Feminina de Auschwitz - Uma história de sobrevivência', publicado no Reino Unido e cuja edição em português vai sair em abril pela Editora Planeta.
"Ela não se considerava judia, mas decidiu salvar o maior número possível de judeus", contou Sebba durante a apresentação do livro a um grupo de jornalistas em Londres, incluindo a agência Lusa.
A violinista profissional judia austríaca, sobrinha do compositor Gustav Mahler e membro de uma família com tradição na música, chegou ao campo de Auschwitz em 1943 e foi inicialmente selecionada para uma "pseudo-experiência científica" sobre esterilização feminina.
Como último desejo, Alma Rosé pediu para tocar violino.
O seu talento foi imediatamente reconhecido e foi transferida para Auschwitz-Birkenau, para dirigir a orquestra feminina até então comandada por Zofia Czajkowska, uma antiga professora polaca que tinha convencido os guardas de que era parente do compositor Tchaikovsky - o que não era verdade.
Entre meados de 1943 até abril de 1944, quando morreu subitamente aos 37 anos, alegadamente de intoxicação alimentar, Alma Rosé dirigiu com mão de ferro a orquestra, a única feminina entre múltiplos conjuntos masculinos.
Graças a ela, o grupo de cerca de 40 mulheres de várias nacionalidades, desde francesas, belgas, polacas ou gregas, foi poupado do trabalho manual e beneficiava de condições mais favoráveis em relação às outras prisioneiras.
O seu trabalho era tocar de madrugada e fazer com que as outras cativas marchassem mais depressa para o trabalho e voltassem no fim do dia, sempre em filas de cinco, tornando-as assim mais fáceis de contar.
Noutras ocasiões, tocavam junto à plataforma do comboio para acalmar os recém-chegados ou entretinham os oficiais alemães.
A escritora britânica está convencida de que Rosé sabia que a orquestra "era uma tábua de salvação" e "dizia frequentemente: ou tocamos bem, ou seremos mortos".
"Ela era uma disciplinadora muito firme. Provavelmente, de vez em quando, atirava a batuta e punia os músicos se tocassem um fá sustenido e não um fá natural e obrigava-as a esfregar o bloco durante uma semana", reconheceu Anne Sebba.
Isso implicava ensaiar durante muitas horas consecutivas, com pouca comida e num pavilhão frio, apesar de terem um estatuto beneficiado, pois viviam num espaço separado, tinham uma cama própria, cobertor e roupa interior e não tinham de fazer trabalho manual.
"Não creio que a comida fosse muito diferente, e elas trabalhavam sem parar, mas o maior privilégio que ela [Alma Rosé] lhes deu foi a esperança, a esperança de que pudessem sobreviver", vincou Sebba.
A maestrina foi a única que não sobreviveu entre cerca de 40 mulheres que formaram aquela orquestra, algumas das quais viveram até aos 100 anos.
Várias seguiram carreiras artísticas, outras ficaram traumatizadas.
A violinista belga Hélène Wiernik, uma das mais talentosas do grupo, não voltou a tocar depois de deixar Auschwitz, onde o irmão de 11 anos morreu nas câmaras de gás.
A autora britânica entrevistou duas sobreviventes, Hilde Grünbaum (1923-2024), entretanto falecida, e Anita Lasker-Wallfisch, atualmente com 99 anos, esta última a residir em Londres.
Outra sobrevivente, Esther Loewy (1924-2021), que após casar-se passou a usar o apelido Bejarano, chegou a visitar Portugal um ano antes da morte, a convite da Escola Alemã de Lisboa.
Para Anne Sebba, "elas são todas heroínas" porque escaparam aos maus tratos e tentativa de exterminação dos nazis graças não só aos talentos musicais, mas também ao instinto de sobrevivência e ao espírito de equipa, "sem nunca perderem a bússola moral".
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