"O que a Função Oceano Azul ambiciona é conseguir que, com uma nova agenda transformadora, a ação do oceano se comece a elevar nesta década, para chegarmos ao fim da década com um nível muito mais semelhante de impacto e de importância àquele que tem, já hoje em dia, a ação climática", disse o presidente executivo da fundação.
Em entrevista à Lusa a propósito do encontro SOS Oceano que se realiza em Paris entre domingo e segunda-feira, Tiago Pitta e Cunha lembrou que os oceanos não têm, como o clima, conferências das partes (COP) anuais para tomar medidas nem um grupo de cientistas como o painel intergovernamental para as alterações climáticas (IPCC), que foi crucial para se chegar ao Acordo de Paris para as alterações climáticas.
"Os oceanos, no fundo, não têm um sistema de governo como o clima tem hoje em dia no mundo", lamentou o especialista em assuntos do oceano.
Embora reconhecendo que o mundo não tem neste momento a maturidade e a capacidade para fazê-lo, Pitta e Cunha disse que a ambição da FOA é que no princípio da próxima década seja possível a assinatura de uma espécie de Acordo de Paris para o oceano.
E defende que esse caminho comece a ser traçado já este ano na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC), que decorrem em junho em Nice.
Para preparar essa conferência, o Presidente da República francesa, juntamente com a FOA e com o apoio da Bloomberg Philantropies, organiza o SOS Oceano, que junta dezenas de personalidades ligadas aos oceanos, incluindo líderes de opinião, decisores políticos, cientistas e ativistas de todo o mundo para abordar os desafios mais urgentes dos oceanos e desenhar estratégias.
"O acordo para os Oceanos vai levar mais alguns anos (...). Infelizmente, os problemas, a crise que os oceanos enfrentam é de tal ordem que as más notícias vão continuar a acumular-se nos anos vindouros e vai haver cada vez mais a compreensão, o reconhecimento de que é necessário agir de uma forma muito mais forte", antecipou Pitta e Cunha.
O especialista lembrou que, nos últimos 200 anos, os oceanos absorveram mais de 90% do calor gerado pelo excesso de aquecimento, do aquecimento global, e neste momento apresentam sinais de saturação.
É isso que está a justificar o aumento da subida do nível do mar, que se prevê chegar ao final do século em níveis preocupantes, porque basta aumentar meio metro para inundar as terras baixas, onde se produz a maior parte dos alimentos.
Por outro lado, o aquecimento do mar provoca os extremos atmosféricos, porque a energia acumulada nos oceanos tem de se dissipar, e o Mediterrâneo é um caso de estudo, porque é um mar que está a aquecer ainda mais de todo o oceano do planeta.
"E é isso que vai fazer com que os oceanos se tornem, seguramente, cada vez mais importantes na agenda internacional. Nós não queremos esperar que seja tarde demais", alertou Pitta e Cunha.
Para melhorar a qualidade da governação do oceano, a FOA defende que haja mais ligação entre as cimeiras do oceano, as do clima e as da biodiversidade.
"Este processo tem de ser triangulizado, nós temos de ligá-los. (...) Já que é difícil levar o oceano às COP do clima, nós queremos trazer o clima para a UNOC" de Nice.
A FOA quer também que de Nice seja enviada para a próxima COP das alterações climáticas, em novembro em Belém, Brasil, a mensagem de que o combate às alterações climáticas não pode ser feita apenas pela redução de emissões de indústrias.
Outra recomendação da FOA é a criação de um IPCC para o oceano: "Se o oceano fosse provido de um quadro internacional de cientistas independentes que pudessem emitir opiniões científicas, como o IPCC emite, (...)poderíamos começar a dar os primeiros passos para, daqui a cinco, seis, sete anos, termos um acordo para o oceano".
Num memorando entregue ao Presidente Francês quando em fevereiro visitou Portugal, a FOA resume o seu projeto: "Fazer de Nice o Paris dos oceanos".
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