Armando Nuvunga, 78 anos, acaba de fazer cinco quilómetros a pé após deixar o Hospital Central de Maputo, onde fez uma consulta médica, e, agora, é necessário fazer mais seis até à sua casa, já que, na periferia, os carros não circulam devido às manifestações contra os resultados das eleições de 09 de outubro em Moçambique.
"Não há chapas [furgões de transporte de passageiros] nem carros na estrada. Todas as ruas estão assim", diz à Lusa Armando Nuvunga, com o rosto visivelmente cansado em resultado de uma caminhada de pelo menos uma hora.
Dos 78 anos que soma, Nuvunga viu a "fundação " e os "desafios" que Moçambique enfrentou em 49 anos de independência e garante: "isto nunca aconteceu em Maputo", mesmo durante a guerra civil dos 16 anos.
"Eu nunca vi isso e o que mais me surpreende é que Venâncio Mondlane [candidato presidencial que tem convocado as manifestações nem está aqui], mas aquilo que ele diz é cumprido pelo povo", declara o antigo trabalhador das minas na África do Sul, no meio da Praça dos Combatentes.
Como Nuvunga, hoje, foram milhares de pessoas que passaram da Praça dos Combatentes, um importante ponto de ligação entre o centro de Maputo e diversos bairros da periferia, que, a partir das 08:00, era orientado pelos manifestantes, sob olhar desinteressado de alguns agentes da polícia que normalmente ficam nos arredores.
"Sabemos quais são os nossos direitos e este é um dos direitos que a Constituição da República nos concede. Temos direito a resistir perante ordens ilegais e, antes que venha a verdade eleitoral, não vamos parar", refere Narciso Castigo, entre os jovens que montaram pneus à entrada da Praça dos Combatentes, a partir da Avenida Acordos de Lusaka.
Na periferia, em média, de dois em dois quilómetros, estava instalada uma "posição" dos manifestantes (com apitos e `vuvuzelas´), obrigando qualquer condutor a desligar o motor, em "cumprimento" da orientação do candidato que eles consideram vencedor das eleições de 09 de outubro.
"Nós vamos estar aqui nas ruas até que a verdade eleitoral seja recolocada", frisou à Lusa Francisco Chiruque, no meio da avenida Acordos de Luzaka.
Na maioria, um pouco por todo lado em Moçambique, a revindicação que marca este período eleitoral é liderada por jovens, que, além do argumento da verdade eleitoral, incluem, como motivações, o desemprego e baixa escolaridade, que, dos 32 milhões de moçambicanos, afeta um terço dos cerca de 9,4 milhões de jovens que existem no país, segundo estatísticas oficiais.
"Queremos a revolução, a mudança, a liberdade e emprego. Queremos o reconhecimento à camada juvenil", reivindica Jamal Muerre, em declarações à Lusa na Praça dos Combatentes.
A onda de manifestações em Moçambique, com cerca de 70 mortos e mais de 200 feridos a tiro num mês em resultado dos confrontos com a polícia, tem sido convocada por Venâncio Mondlane, que contesta a atribuição da vitória a Daniel Chapo nas presidenciais, com 70,67% dos votos, e, nas legislativas, da Frelimo, que reforçou sua maioria absoluta com mais 11 deputados, totalizando 195 mandatos no universo de 250 deputados que integram o parlamento, segundo os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Nesta fase, que começou na quarta-feira, pelo menos três pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas devido ao disparo de tiros em Moçambique, indicou a Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana Plataforma Eleitoral Decide.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane tinha apelado na terça-feira à população moçambicana para, durante três dias, começando na quarta-feira, abandonar os carros a partir das 08:00 nas ruas, com cartazes de contestação eleitoral, até regressarem do trabalho.
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