Armando Sá fez toda a formação em Portugal, tendo começado pelo futsal, no concelho da Amadora. Após esse início, foi sempre a subir até chegar à I Liga, representando clubes como o Benfica e o Sporting de Braga no processo. Depois, viajou para o estrangeiro, onde conquistou vários troféus, incluindo um internacional.
Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o jogador que passou por Benfica e Sporting de Braga revela os melhores momentos da carreira, com as experiências que teve no Irão e em Espanha.
Começou por jogar futsal no início da carreira. Porque decidiu mudar para o futebol?
Eu nasci em Moçambique, mas fui criado em Portugal, fiz o serviço militar em Portugal, então, sou português. Quando cheguei, jogava na escola na educação física e havia um clube de bairro, no Casal São Brás. Fazia jogos e torneios de futsal, as pessoas começaram-me a conhecer, convidaram-me para participar nesses torneios de futsal naquela zona da Damaia, Brandoa, na altura, contra jogadores como o Ricardo Ramires, o Calado também… Na altura, ninguém era conhecido, éramos miúdos, jogávamos por ali e foi aí que tudo começou, no futsal. As pessoas começaram a conhecer-me, a gostar e o clube tinha muitos atletas federados, e decidiu entrar nas distritais de futebol 11 de Lisboa, e comecei a tomar-lhe o gosto. Jogava futsal aos sábados, futebol aos domingos, também fazia atletismo, também jogava ping-pong… Era uma atleta do clube, entrava em todas as competições que havia, sempre fui muito competitivo, mas o futebol puxava-me muito, então fiz essa transição do Atlético de São Brás para o futebol onze.
O Armando sai do futsal, depois vai para o Damaiense e sobe aos poucos na carreira. Atualmente, já é mais raro que um jogador faça a ascensão pelos clubes de divisões inferiores. Foi um caso que subiu 'a pulso'. Sente que foi importante passar por clubes como o Vilafranquense, o Bragança e o Vila Real para o seu sucesso enquanto jogador?
Acho que nunca tinha pensado nisso… Toda a minha carreira, passei por todos os processos, há jogadores que os saltam e eu passei por todos… Futsal, comecei a jogar futebol no São Brás, fui para o Damaiense, nos juvenis, que me abriu portas a outros clubes, como foi o caso do Belenenses, que já jogava nos campeonatos nacionais das camadas jovens, tive a ajuda do meu professor na altura de educação física, João Couto, que me ajudou a puxar para o Belenenses, subi a sénior, fui emprestado ao Vilafranquense e Bragança na terceira divisão nacional. Depois, segui para o Vila Real, na segunda divisão, até chegar ao Rio Ave na I Liga. Nunca tinha pensado que tinha passado por estes degraus todos…
Como foi a transição do escalão júnior para sénior?
Tive um atraso nessa transição, ali na altura do Belenenses, fui cumprir o serviço militar, então, perdi aquela transição entre os dois escalões e acabei por ir para o Vilafranquense na altura, para voltar a ativar. Foi engraçado… Joguei com o Paulo Sérgio, no Damaiense… Nessa geração, havia muito bons jogadores, era uma geração muito boa, ninguém sabia que íamos atingir o topo, mas, depois, acabámos por nos encontrar como seniores, mais tarde.
Qual foi o sentimento quando surgiu a oportunidade de jogar por um clube da I Liga, pela primeira vez?
Sempre foi o meu objetivo jogar a I Liga, nunca tive outro foco principal. Queria chegar um dia à 1.ª divisão, aquele sonho de criança… via os jogos na televisão, ia aos estádios, na altura acompanhava muito o Estrela da Amadora, que era ali perto de casa. Tinha esse sonho de um dia chegar lá. Foi tudo muito a pulso, não foi nada dado e eu tive de correr atrás, tive de lutar e ser persistente, porque houve momentos que não estava fácil, mas segui o que acreditava e fui lutando até chegar a uma I Liga. Podia ter chegado antes, no Belenenses, mas acabei por chegar depois, no Rio Ave, onde foi realizado um sonho, de estar na 1.ª divisão, com jogadores que eu via quase todos os fins-de-semana na televisão e estava ali a aprender e a evoluir com eles. Nunca deixei de parte o objetivo de jogar e o 'animal' foi crescendo, então, fui trabalhando cada vez mais, até o Carlos Brito me dar a oportunidade de me estrear, frente ao Vitória, em Setúbal, foi o meu primeiro jogo e sai de lá todo feliz da vida.
Chega ao Benfica a meio da primeira época a representar o Sporting de Braga. Como reagiu a esse interesse na altura?
Quando eu estava no Sporting de Braga, havia interesse do Sporting, do Benfica… Só que não se concretizaram na primeira fase, que os interesses começaram quando estava ainda no Rio Ave. O Michel Preud'homme era diretor do Benfica na altura, e foram buscar o Ivan Dudic, um lateral-direito da Sérvia. Estive com o contrato na mão, para assinar, mas as coisas não se realizaram, naquele momento. Tive de voltar a provar o meu valor. Fui para o Sporting de Braga e, depois, dei o salto para o Benfica. Trabalhei bastante e cheguei a um clube de outra dimensão, com outros objetivos e outra realidade que eu não estava habituado, o que levou a outra adaptação para entender onde realmente estava, mas rapidamente comecei a perceber que até era mais fácil jogar no Benfica, dada a qualidade dos jogadores à volta, os passes vêm com mais qualidade… Depois tem a parte pior, que é a responsabilidade de representar um clube daqueles. Mas dentro de campo tornava-se mais fácil, os processos dos jogadores com muita qualidade. Chegar ao Benfica, na altura eu só queria chegar à I Liga, depois, era estrear-me, logo a seguir, tentar dar o salto para um clube que lutasse pelas competições da UEFA, e, depois, tentar um clube grande. Foram sonhos progressivos e objetivos que fui traçando pouco a pouco. Depois, consegui-me impor no Benfica e apontei a sonhos mais altos.
Sai do Benfica sem conquistar qualquer campeonato nacional… É algo que o entristece?
É um sentimento agridoce, de certa forma, não estive presente… No ano anterior, vencemos a Taça de Portugal, o Benfica não ganhava essa competição há oito anos e, por todo o processo do ano anterior, da equipa que foi construída, eu tinha a certeza absoluta de que o Benfica podia ser campeão, mas foi opção minha de ir para Espanha, para o Villarreal. Sabia que o Benfica estava mesmo 'no ponto' para ser campeão no ano seguinte. Fica aquele sentimento de tristeza por não ter estado presente fisicamente, mas estava com os meus colegas e feliz por eles. Foi uma mistura de sentimentos, porque, se calhar, podia ter esperado mais um pouco e era campeão e depois ia embora.
No Espanyol, alcançou um feito que muitos pensavam impossível: Ganhar uma Taça do Rei. Como foi vivido esse momento, com os adeptos e no clube?
Foi fantástico, mesmo. Eu saio do Benfica ganhando a Taça de Portugal. Vou para o Villarreal, somos campeões da Taça Intertoto e somos apurados para a Liga dos Campeões, que nunca tinha acontecido. Vou para o Espanyol e sou campeão da Taça do Rei. Mas, antes ainda, tínhamos ganho a Taça da Catalunha, contra o Barcelona. Ganhar a Taça do Rei no Santiago Bernabéu, subir aquela escadaria, cumprimentar o rei… Foi uma festa incrível com os adeptos, na praça de Montjuic, estava tudo cheio, nós em cima dos carros, os adeptos lá em baixo a gritarem… Foi incrível.
Qual o duelo individual mais complicado que teve, em Espanha?
Em Espanha, joguei mesmo com muitas estrelas, tive o prazer de jogar e ver de perto a qualidade dessas estrelas, desses grandes jogadores, Ronaldinho, Zidane, entre outros… Não sei porquê, mas todos os grandes jogadores jogam ali na esquerda [risos] do meu lado a defender. Passaram muitas estrelas pelo meu corredor. Tive grandes desafios, tudo era diferente… O que era marcar alguém como o Ronaldinho, como é que eu tinha de o marcar o Ronaldinho, o Zidane quando lá aparecia, como é que eu tinha de marcar o Denílson… Mas houve um jogador que eu gostei e que me deu muito trabalho na La Liga, que foi Sávio, que jogou no Real Madrid e no Real Zaragoza. Foi o jogador que, quando joguei contra ele, vi que tinha muita qualidade, muito bom no um contra um.
E na carreira, quem lhe causou mais problemas a defender?
Na Liga portuguesa também tive muitos jogadores complicados de marcar. Tive de marcar o Deco, que é um falso lento. Tive um momento engraçado também com o Cândido Costa, ele estava naqueles 'dias sim', era difícil correr tudo bem… Apanhei muitos bons jogadores, ganhei várias 'batalhas', mas também perdi outras tantas [risos].
Depois, aos 32 anos, ruma ao Irão. O que o fez tomar esta decisão?
Na altura, tive oportunidades de ir para a Rússia, visto que muitos jogadores portugueses iam jogar para a Rússia. Apareceu Inglaterra, pelo Leeds United, mais um objetivo. Forcei a saída para o Leeds United, um clube com uma história fantástica, umas condições gigantes, mas estava num processo de transição e, depois, ainda tive oportunidade de voltar a Espanha, para o Málaga, mas, como tinha já uma idade avançada e pensei futuramente no que podia fazer, se voltava a Espanha ou se me aventurava na Ásia... Apareceu esta oportunidade do Irão, ofereceram-me boas condições e eu decidi arriscar, fui para um país com uma cultura completamente diferente, onde aprendi a conhecer a realidade do país, das pessoas. Houve momentos menos bons, mas não me arrependo nada de ter ido para lá e de ter jogado quatro anos no Irão. Fui campeão também, foi fantástico, fazer amigos de outra parte do mundo. A partir daí, começaram a aparecer mais portugueses no Irão, com o professor Nelo Vingada para treinador, o mister Carlos Queiroz... Quem me convidou, na altura, foi o mister Augusto Inácio, e acho que acabei por abrir portas dos portugueses para o Irão e depois até o contrário.
Uma vez, estava a acontecer uma tempestade de areia e eu, 'passarinho', como estava um calor infernal e não podia abrir janelas… Tive a infeliz ideia de ligar o ar condicionado e fui-me deitar. Quando acordo… Tinha a casa cheia de areia.
Alguma situação que o chocou?
Chocado, só com o calor mesmo. Jogar com 55 graus era muito complicado e, na altura do Ramadão, não podia beber água à frente dos colegas. Cheguei a ter de ir ao balneário beber água e, depois, voltar ao jogo, tínhamos de respeitar a cultura. Mas tive situações engraçadas. Uma vez, estava em casa e lá fora estava a acontecer uma tempestade de areia e eu, 'passarinho', como estava um calor infernal e não podia abrir janelas… Tive a infeliz ideia de ligar o ar condicionado e fui-me deitar. Quando acordo… Tinha a casa cheia de areia, que entrou pelo ar condicionado. Acordei no deserto [risos].
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