Em entrevista à Lusa, à margem do I Congresso Internacional de Habitação Pública, organizado pela Câmara Municipal de Oeiras, Veronika Iwanowski, responsável por apresentar no estrangeiro o modelo vienense de habitação acessível, detalhou a fórmula que garante que sensivelmente metade da população da capital austríaca viva atualmente em casas de habitação acessível.
O quadro legal é importante e o vienense assegura "um sistema de habitação transparente e justo", explicitou a técnica do Departamento de Relações Internacionais do Wiener Wohnen (Morar em Viena), acrescentando a necessidade de haver um financiamento público robusto.
"O dinheiro para a habitação, construção e renovação, vem dos impostos. É uma taxa nacional de 0,5% do salário bruto tanto dos empregadores como dos empregados", referiu, acrescentando que esta disposição se traduz em 250 milhões de euros por ano para os cofres públicos e permite um planeamento a longo prazo.
Além disso, em Viena há segurança no arrendamento e uma "boa relação" com proprietários e senhorios, o que explica que quase 80% dos habitantes da cidade vivam em casas alugadas.
Por outro lado, os habitantes são convidados a participarem no processo. "Os inquilinos são mais felizes quando se sentem em casa e as pessoas sentem-se mais em casa e que pertencem a um espaço quando podem cocriá-lo", assinalou a especialista, oradora no congresso, que decorre hoje e na sexta-feira no TagusPark.
"Mais importante ainda, implementamos sempre a mistura social, os nossos edifícios estão espalhados por toda a cidade, não estão confinados a certos bairros", ressalvou.
Simultaneamente, os limites de rendimento adotados são "bastante altos, o que torna 80% dos vienenses elegíveis para o setor de habitação acessível e assim não há segregação, nem estigmatização, nem discriminação com base na morada". Nem "bairros perigosos", disse.
Ainda assim, todos os modelos têm desafios: "O nosso sistema tem 100 anos, temos constantemente de o atualizar e de evoluir. Temos mudanças populacionais, por exemplo um aumento crescente de famílias monoparentais e de pessoas mais velhas, especialmente mulheres, que frequentemente vivem sozinhas", indicou Veronika Iwanowski, acrescentando a adaptação climática e a descarbonização dos edifícios.
"Fazemos monitorização regular, renovamos, instalamos elevadores, sótãos", elencou.
O modelo vienense tem sido criticado por colocar uma significativa fatia dos terrenos nas mãos da câmara municipal: "Isso não é um problema. O município tem 220 mil apartamentos, o setor subsidiado tem 200 mil e o resto é privado. Há oferta para todos."
Segundo a especialista, "é importante que o setor público seja amplo, para garantir oportunidades habitacionais acessíveis para um número mais alargado de pessoas".
Além disso, o atual sistema traz "benefícios para a sociedade em geral", desde logo por ter um impacto regulador nas rendas do mercado privado e por contribuir para a economia, porque, recordou, "quando as pessoas não têm o peso de rendas elevadas, gastam mais noutros produtos".
Mesmo no contexto austríaco, Viena é um caso especial, explicado pela história da cidade (que foi estado federado), pela continuidade da política de financiar a habitação acessível através dos impostos e por sucessivos governos sociais-democratas, referiu Veronika Iwanowski.
Ainda que a Áustria seja um dos países da União Europeia com maior percentagem de habitação pública, esta não é tão elevada noutras partes do país, onde "há mais a mentalidade de comprar casa".
O I Congresso Internacional de Habitação Pública reúne, hoje e na sexta-feira, mais de 30 especialistas.
Com a iniciativa, a autarquia, no distrito de Lisboa, pretende fazer o "diagnóstico da situação" e demonstrar que "as medidas que foram tomadas até hoje não resolveram o problema", na convicção de que a carência de habitação não pode ser resolvida pelo setor privado, cabendo ao Estado o papel central, disse à Lusa o presidente do executivo, Isaltino Morais.
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